quarta-feira, 18 de março de 2015

Vítima

Em um verão escaldante em que o sol faz estalar o asfalto um padre caminha mansamente com um guarda-chuva para se proteger do sol. A noite anterior havia sido fria, nevara inclusive, e o padre dormira na igreja por conta da neve que cobria as portas e impedia sua passagem. por isso agora andava com seu sobretudo pelas ruas.
No dia seguinte seria o dia de exaltação à pátria e as ruas estavam lotadas de pessoas que tentavam se resolver para poder viajar já que até mesmo os bancos fechariam e o feriado duraria uma semana.
O padre, assim como os outros, precisava resolver os problemas do mês. Sentia o suor escorrer por seu corpo, seu único refresco. Esperava que ao chegar no banco poderia apreciar o ar condicionado. Já estava sentindo-se fatigado e começava a sofrer com a desidratação.
O banco, porém, estava com os ares condicionados quebrados e a multidão lá dentro fazia a sensação térmica aumentar ainda mais. Sem opção o padre continuou por lá. Passado meia hora o padre começou a sentir-se tonto, aguentou o quanto pode, mas agora sentia a gravidade da situação. Começou a olhar para todos os lados até que encontrou um banco e sentou-se. E então sentia o corpo amolecer e caiu, ninguém o notou. Caíra sobre o próprio corpo em silêncio, não desmaiara, achava que não. Veio então um cachorro até ele, não latiu, não emitiu sons, apenas se aproximou, o observou e lambeu sua testa. O padre notou que não tinha rabo, nem metade de uma orelha, era cego de um olho e tinha diversas cicatrizes pelo rosto, sua pelagem era castanha e carregada, aos olhos do padre era belo. Era de pequeno porte e tampouco o notavam.
E então alguém ali perto gritou por socorro, mas a audição do padre já estava falhando por causa da baixa pressão arterial e a voz parecia se distanciar, a visão estava turva e não conseguiu distinguir a forma da figura que se aproximou dele. Outro grito, sentia a pessoa mexer em seu corpo, talvez tirando o sobretudo, mas até mesmo seu tato estava atordoado. Sua cabeça foi erguida, água despejada em sua boca, sentiu-a molhar a garganta. Água derramada em seu corpo, refrescou-se.
Voltou a ver aos poucos. Uma bela ruiva prostrada à sua frente, era quem o estava ajudando, o cachorro a seu lado.
Ainda estava fraco, desidratado. A mulher não media esforços para ajudá-lo, o cachorro olhava-o com tristeza. O padre não entendia naquele momento, mas a vida saia aos poucos de seu corpo.
Estava em paz, não sabia o Porquê. Via a tristeza das pessoas, mas não as via. Sentia a decepção da mulher, mas não entendia. Sua vida já havia se esvairado, mas ele não percebia.
E foi assim que o calor fez sua primeira vítima, naquele dia.

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