quarta-feira, 15 de agosto de 2018

À Escrita e seus servos

Desenhamos com palavras o invisível aos olhos, o impossível de existe. Todo um universo cabe num pequeno verso de um poema submerso nas memórias d'um idoso qualquer.
Cada palavra é um desenho, um símbolo, um nada. A tradução de um milênio de nossa evolução. Todo nosso legado gravado no mudo gritar d'um par de sinais.
Quanta graça e singularidade há nessa obra! Seja ela a escrita de uma criança ou um manuscrito de perfeita caligrafia. Cada detalhe desses sinais expressa em si parte d'alma de seu autor.

A Marca de Cam

Por que oprime a si mesmo?
Por que se cala e dobra?
Onde está sua coragem?

Tu forjaste os grilhões que carregas
Tu colheste o ferro e o ouro
Tu lutaste as grandes guerras
Tu criaste os grandes impérios em agouro
Sim, tu! Pois carrega em si o sangue negro
Em teu peito bate o motor da humanidade
Em teu espírito urra o poder da irmandade
É essa tua pele que te honra
São teus antepassados os guerreiros d'aurora
Herdaste a grandeza, nasceste pra glória
Pois toma tua rédea e parte agora!

Todo homem e mulher que a ti antecedeu
hoje olha por você e está contigo
Essa pele que tens sob o sol já ardeu
num deserto escaldante, um solo antigo
Dominaste a natureza, então domina a si!
Destrói as correntes e liberta-te!
Não és fruto do pecado,
és nobre muito honrado.
Pois então grita aos céus tua linhagem!
Brada contra reinos o ardor da liberdade
Honra tua raça, honra teu poder!
Tu fizeste a sociedade e ela fez você!
Grita, homem, urra!:
"Sou negro! Carrego a marca desta etnia!
Minha história o silêncio esmurra.
A cor dos imperadores! A cor da liberdade é minha!"

V

Donde mora o caráter humano?
Por onde vai a história presente?
O que disse nosso futuro?
O que dirá nosso passado?

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Os facistas que ladram

Vejo o sádico sorriso que nos lábios lampeja
Ao ouvir sobre a vida que o corpo despeja
Brilham os olhos das acéfalas massas
Que urram: "não és vivo até que nasças!"

Enquanto debatem direitos e deveres
Se perdem na indecência de seus poderes
Pois podem matar sem nenhuma dificuldade
Serem indefesos, futuro da humanidade

Fingem não ouvir os rápidos corações
Batendo em conjunto, gritando sem voz
Se recusam a ver o tétrico massacre
E torcem o nariz à vida, como cheiro acre

Desgastam a essência do que é ser humano
Infectam a memória, o corpo tornam profano
Urram em defesa à uma vida enquanto outra matam
E assim seguem cegos e surdos os fascistas que ladram

Do Cárcere à Liberdade

Preso no cárcere rubro
Sinto o cheiro do férreo sangue
A corrente me prende desde outubro
Não há tempo para que a ferida estanque

A escuridão é o que me cobre
O calor é o que me acalma
E ainda que eu não tenha sangue nobre
Em mim também arde uma alma

Ouço então a voz do carcereiro
Discute seu método e preço
Fala sobre um tal estancieiro
que lhe prometeu dar novo começo

Soa enfim uma outra voz
Suave, maternal, linda pra mim
Tento falar, tocar sua foz
Mas nada ocorre, nesta torre de marfim

As vozes num instante se calam
Perco meus sentidos, mas ainda vivo
Virão me buscar, as pinças estalam
Vêm me tirar do cárcere e prender ao crivo

Num momento estou deitado
no outro, a dor meu corpo percorre
Sinto todo meu ser desmembrado
E assim toda minha esperança morre

Da corrente estou livre enfim
Mas de que serve a liberdade ao morto?
Como posso ter morrido assim?
Me roubaram a vida num mísero aborto?

Em guia

Desde os tempos da aventura
De uma vida regada à loucura
Sou eu meu próprio carrasco
Que se impõe contra o duro casco

Costumo ferir qualquer que venha a me amar
Não sei de onde veio essa sina de desgraça
Mato, espanto, fujo, me abrigo
Corro do amor como a noite foge do sol
Na aurora de cada nova mulher nunca me deixo estar
Mas no ocaso torno a retornar
E então vejo ao longe a luz aos poucos se apagar
E novamente me encontro sozinho
Com a lembrança da Luz a brilhar
Refletida no grande satélite natural
Mas eu estou sozinho imerso em minha própria solidão
Enquanto brilha o reflexo do futuro que não mais terei
E brilham as luzes dos fantasmas d'outrora
Dos muitos amores já há muito mortos
Dos filhos que jamais nascerão
Das vidas que escolhi jamais viver
Das escolhas que é acho sacrificar
Dos sacrifícios que preferi escolher

Sentidos

Sinto o calor dos abraços
Sinto os cheiros dos cabelos
Vejo os brilhos dos olhares
Ouço os suspiros da noite
Toda vida enervada
Todo fogo o mundo tomando
Nunca existiu.

Aurora

Luz do sonhos inexistentes
Esperança das almas ardentes
Sol que queima a noite
Vida que açoita a morte
Nascer do meu ser 
Minha Aurora