terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Às Brumas de Mariana

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o Sol - pardo planeta
A escuridão após ele corre... cansa
Como a multidão faminta na Terra

'Stamos em pleno mar... Insano tormento
É o cantar dos loucos sob a lama
Viciados em vida, não em gana
Cujo lamento jamais será ouvido

'Stamos em pleno mar... Gritos e choros
Correm a serra, montanha a montanha
Espelhando o passado que há pouco ocorreu
E se espalham por todo o Brasil

'Stamos em pleno mar... Sufocadas almas
Urram em desespero pelas vidas
Que afogam com pulmões pesados
Sem poder correr, se mover

'Stamos em pleno mar... Muitos voam
Sobrevoam a área, tentam entender
Sem sequer poder imaginar a dor
Dos filhos das Gerais

'Stamos em pleno mar... O infinito
Se espalha para cima e lados
Enquanto o estrondo corroí num segundo
O que anos não poderão recuperar

De onde vem? Para onde vai?
Em ondas de ganância e esquecimento
Navega o homem minésio
Etéreo fingidor

Siriema! Siriema! Ave das Minas,
Tu que dormes hoje na tragédia
Sacode as penas, vaga esperança,
Siriema! Siriema! Dá-me estas asas.

Abre voo! Saia dessa terra, oh esperança!
Sobe mais... inda mais... corre à ameaça
Vê aquilo que se trouxe até ti
Mas que vês ali... Que quadro de amarguras!
É canto funeral! Que tétricas figuras!
Que cena infame e vil! Meu Deus! Meu Deus! Que horror!

A orquestra estridente não se faz ouvir
Mas aos que param um instante
O chicote ainda se pode sentir.

Aos escravos da própria dor, alívio
Aos capitães de tal terror, justiça.
Que a voz de Castro Alves some às centenas
Que há anos urram soterradas
E que novamente se fazem ouvir.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

XIX

Tenho pena dessas pobres almas incapazes de reconhecer o amor quando veem.
Incapazes de amar. Almas tão sujas que sequer o próprio ser consegue trespassar.
Corações tão afogados em uma profusão de mágoa e amargura.
Olhos que refletem o nada, o vazio. Que não possuem brilho ou vida qualquer.
As janelas da alma que na infância resplandecia, hoje jazem trancadas, bloqueadas por concreto e aço.
O ser torna-se uma prisão para sua própria vida.
A existência perde o sentido.
E assim vaga pelo mundo um corpo opaco, uma rocha ambulante e crescente que engole pouco a pouco a luz restante.
Fácil se torna fazer qualquer coisa. Sem uma alma à mostra, o Inferno toma o leme.

As Lágrimas

As lágrimas antes fossem líquidas, ou mesmo sólidas.
Antes escorressem pelo rosto ou caíssem como rocha.
Antes fossem lágrimas ou pedras quaisquer.
Mas as lágrimas que tenho não possuem forma.
Não jorram de mim nem despencam em cachos.
Minhas lágrimas não saem do meu ser.
Elas desobedecem à física e sobem, adentram.
Deslizam pouco a pouco para dentro de meus olhos
E, ao invés de se despedirem,
Essas lágrimas se misturam ao meu olhar
Elas lavam minha alma para dentro de mim.
Correm pela córnea e marcam minha íris
Minhas lágrimas antes fossem lágrimas
Antes tirassem de mim a tristeza
Mas minhas lágrimas apenas se eternizam
Minhas lágrimas não se vão
Minhas lágrimas se tornam parte de mim
Minhas lágrimas são pequenas almas que guardam a minha própria em segredo.